TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS NA BAÍA DE GUANABARA
RIO DE JANEIRO - BRASIL
- Uma Abordagem com Suporte de Geoprocessamento -
CARLA BERNADETE MADUREIRA CRUZ, LETÍCIA MARIA MAYR,
RAFAEL SILVA DE BARROS, MAURO SÉRGIO FERNANDES ARGENTO
& CARLOS AUGUSTO PORTELA SENNA
Instituto de Geociências Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
Universidade Federal da do Rio de Janeiro - Cidade Universitária - CEP.21.941-541
Tel.: (021) 590-1880 R-45 - FAX (021) 590-1880 E-mail: riocosta@igeo.ufrj.br
RESUMO: Na baía de Guanabara, combinações favoráveis de suas características ambientais explicam a sobrevivência de sua fauna e flora, apesar do intenso aporte de poluentes que gera, em locais de combinações desfavoráveis, áreas fortemente degradadas. A baía apresenta-se dividida em classes, bastante diferenciadas quanto ao comprometimento ambiental. A ocupação de seu entorno, desde o início da colonização, é acelerada a partir da década de 40 com os prenúncios da industrialização, ocasionando uma série de aterros com graves conseqüências para o seu ecossistema. Este trabalho visa diagnosticar, com o suporte do geoprocessamento, áreas potencialmente mais sensíveis a alterações, e localizar, identificar e mensurar as interferências ocorridas nas últimas cinco décadas, correlacionando estes resultados com estudos de qualidade de suas águas.
Abstract: In Guanabara Bay a favorable mix of environmental conditions explains the survival of fauna and flora, despite the intense flow of pollutants, which creates, in areas with some unfavorable conditions, severely degraded zones. The bay may be divided in areas with different levels of environmental damage. The occupation of the Bay’s periphery, which was accelerated in the 40’s was followed by many landfills and consequent damage to the ecosystem. This paper intends, , with geoprocessing support, to diagnose fragile areas to alterations, and localize identify and measure alterations occurred in the last 5 decades, correlating these results to water quality bay studies.
1. Introdução
A qualidade ambiental de uma baía é reflexo da qualidade de suas águas, que - independentemente de ações antrópicas - é conseqüência de diversas características, como por exemplo as geomorfológicas. Assim, seu posicionamento geográfico, tamanho e forma, rede de drenagem e tipo de litoral no qual se encontra inserida, condicionam a circulação e renovação de suas águas, como também uma maior capacidade de resistência impactos antropogênicos. No caso da baía de Guanabara, apesar da forte degradação observada, estes fatores se combinam de maneira favorável, o que explica a sua "sobrevivência", apesar do intenso aporte de poluentes a que se encontra sujeita. Embora, a ocupação de seu entorno se reporte ao início da colonização (1502), indiscutivelmente, foi a partir da década de 40, com os prenúncios do modelo industrial, que suas maiores transformações começaram a ser sentidas, principalmente no que se refere às alterações de seu perímetro, ocasionadas por uma série de aterros e despejos domésticos e industriais, com graves conseqüências para o seu ecossistema. Nos 8.000 km da costa brasileira a baía de Guanabara, localizada no Rio de Janeiro, é o único ecossistema costeiro, contemplado com um programa de recuperação ambiental apoiado pelo governo federal.
Este trabalho visa mapear, com o suporte do geoprocessamento, a situação da baía quanto ao seu grau de sensibilidade natural à renovação de suas águas, considerando a interação de diferentes variáveis ambientais (batimetria, estreiteza de canais de circulação das águas, e afastamento da entrada). Objetiva também mapear as transformações de seu entorno ocorridas nas últimas 5 décadas a partir de imagens LANDSAT-TM, analisando estas informações com o uso de técnicas de cruzamento e mensuração disponíveis num sistema de informações geográficas. O resultado deste cruzamento, identificará as áreas potencialmente mais afetadas, confrontando-as com estudos do comprometimento ambiental da baía.
O presente artigo enfatiza os SIG como agentes fundamentais no processo de obtenção, atualização, armazenamento e disseminação de dados ambientais, ideais às operações de monitoramento. O Projeto de Recuperação Gradual do Ecossistema da Baía de Guanabara, necessita da otimização de avaliações progressivas, que contemplem inúmeras variáveis ambientais. O uso destes sistemas viabiliza que o monitoramento das etapas do projeto seja feito de maneira rápida e precisa, não só pelos técnicos envolvidos, como também pela comunidade científica e a sociedade em geral. Este acompanhamento propiciará um melhor encaminhamento de projetos, minimizando erros, otimizando resultados, auxiliando, enfim, o sucesso do empreendimento.
2. Métodos e Técnicas
Na ausência de uma base cartográfica oficial, atualizada, digitalizada e disponível, surgiu em primeiro plano, a necessidade de geração de uma base que servisse de apoio aos estudos e pesquisas em desenvolvimento. Para tal, apesar das limitações quanto a resolução, utilizou-se imagens orbitais do LANDSAT-5-TM para a atualização do contorno da baía, através de vetorização manual.
O processamento digital das imagens de satélite foi efetuado através do Sistema Interativo de Tratamento de Imagens - SITIM-340 / INPE, e seus produtos foram armazenados num Sistema de Informações Geográficas, gerando a "Carta Imagem" a ser digitalizada. Outro tipo de tratamento efetuado, diz respeito às classificações temáticas das plumas de sedimentos e do uso do solo do entorno da baía.
Com relação à representação cartográfica mais antiga, foi digitalizada a carta náutica da
Baía de Guanabara (no. 1501) na escala 1:50.000, publicada em 1938 pela Diretoria de Hidrografia e Navegação - DHN, da Marinha do Brasil.
Esses dois planos de informação, inicialmente armazenados no formato vetorial, foram poligonalizados (geração de topologia) e convertidos para raster, de forma a possibilitar a efetuação da operação de cruzamento, responsável pela geração do mapa síntese das transformações ocorridas ao longo destas 5 décadas, tanto a nível de alteração do contorno, quanto a nível do uso de seu entorno.
Um mapa representativo dos diferentes níveis de sensibilidade da baía de Guanabara foi gerado sob a consideração de determinadas variáveis, observadas como de importância direta na qualidade de suas águas. Tais variáveis: batimetria, estreiteza dos canais de circulação e afastamento da entrada da baía, levantadas e estudadas em diversos trabalhos, definiram limites de maior e menor influência na qualidade das suas águas, de acordo com os seguintes critérios:
Para o mapa de sensibilidade definiram-se quatro níveis distintos, um apresentando as áreas mais críticas, onde todas as situações são negativas à efetuação de transformações ambientais na baía. Outros três níveis, apresentando diferentes graus de sensibilidade, maior, média e menor, onde se considerou, respectivamente, a ocorrência de pelo menos, duas, uma ou nenhuma situação desfavorável.
Os dois mapas-produtos, o de registro de transformações ocorridas ao longo do período estudado e o de sensibilidade das águas da baía de Guanabara, foram analisados com o uso das técnicas de cruzamento, de forma a que se pudesse identificar o quanto e quão grave são as modificações efetuadas em seu contorno. Este resultado foi ponderado junto às pesquisas existentes que descrevem a situação atual de qualidade de água da baía.
3. Resultados e Discussão
O mapa de sensibilidade indica as áreas noroeste e nordeste, as mais rasas e distantes da entrada da baía, como sendo as de maior fragilidade a alterações ambientais. Na fração noroeste a situação é agravada pela presença de canais estreitos, inexistentes na fração nordeste, caracterizando-a portanto, como a área crítica. A isobatimétrica de 3m foi o fator limitante a definição das áreas de sensibilidade média, que se localizaram ao fundo e ao longo da linha de contorno. Com isso, a grande área central representa a região de menor sensibilidade, comprovando a expressiva capacidade de renovação que a baía mantém, já que esta área corresponde a maior porção tanto em área, como, e principalmente, em volume.
O mapa de transformações ambientais aponta uma maior ocorrência de aterros na margem oeste da baía, nas proximidades das ilhas do Fundão e do Governador, resultado da densa urbanização e valorização do espaço, induzindo a um acréscimo de litoral. Esta valorização singular, não passa pelos processos conhecidos de separação entre campo e cidade, possuindo estas áreas valor precedente à sua própria existência física (Moraes e Costa, 1984). Muitas destas decisões, hoje não cabíveis, priorizaram aspectos econômicos e sociais, em detrimento dos ambientais.
O cruzamento destes dois mapas, o de sensibilidade e o de transformações ambientais, possibilitou uma avaliação setorizada do quanto de aterro ocorreu em cada nível de sensibilidade (vide Tabela).
NÍVEIS DE SENSIBILIDADE |
PERCENTUAL DE ATERRO |
CRITICA |
80 |
MAIOR |
15 |
MÉDIA |
5 |
MENOR |
- |
A situação final de distribuição das áreas aterradas ao longo da baía, com maior ou menor gravidade, de acordo com a sua sensibilidade natural, pôde ser confrontada com o mapa de comprometimento ambiental de Mayr (1989). Este mapa discrimina a baía em 5 regiões quanto a qualidade ambiental de suas águas, confirmando para a porção oeste a pior situação ambiental, onde se justapõe uma maior ocorrência de aterros e uma maior fragilidade. Apesar da porção leste da baía apresentar um mesmo grau de sensibilidade, o comprometimento ambiental não é o mesmo devido ao tipo de ocupação de seu entorno, rarefeita (onde se registra a Área de Proteção Ambiental de Guapemirim), e a uma menor modificação do contorno (efetuação de aterros) e da drenagem (canalização dos rios).
Assim, confirmam-se as hipóteses da baía de Guanabara possuir uma fragilidade diferenciada e previsível, o que permite avaliações seletivas das ações a serem implementadas neste espaço.
4. Conclusões
Aterros em baías têm seu efeito impactante quanto à qualidade das águas, e conseqüente qualidade ambiental. Esta dependência não se dá somente por sua extensão em área, mas também por sua localização, que afeta de maneira diferenciada, a circulação e renovação do corpo d’água em questão. Na baía de Guanabara temos como exemplo, os efeitos diferenciados produzidos pelos aterros da praia do Flamengo e Ilha do Fundão. Não se pode portanto, comparar tão somente a extensão das áreas aterradas mas também sua localização, e ainda, a natureza do fundo e das margens.
Segundo Amador (1982), a circulação da baía de Guanabara é governada, sobretudo, por correntes de maré. O canal central longitudinal, mais profundo, coordena a forte circulação principal, pela entrada da cunha salina. A contribuição as águas continentais oriundas de inúmeros (cerca de 35) rios de porte pequeno e médio, vem carregada dos despejos industriais (aproximadamente 6.000 industrias) e domésticos (em torno de 10 milhões de habitantes) - (FEEMA, 1990), diluem-se nas camadas superiores. Amador chama também a atenção para o aumento da taxa de assoreamento da baía provocado pela desestabilização do sistema fluvial (retificação e canalização dos rios e desmatamento das encostas) e construção de aterros.
Apesar das técnicas de geoprocessamento se encontrarem disponíveis há cerca de três décadas, e a evolução computacional ter promovido sua ampla divulgação, temos sérias dificuldades de compartilhar informações pela inexistência de bases de dados integradas. Esta situação gera duplicidade de esforços e projetos, desperdiçando investimentos pessoais, institucionais e governamentais. Reforça-se então, a necessidade de se ter bases de dados integradas, disponíveis aos diversos níveis científicos e gerenciais, facilitando estudos e consultas multidisciplinares.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:
AMADOR, E.S. (1980) Assoreamento da Baía de Guanabara - Taxas de sedimentação. An. Acad. Bras. Ci., Rio de Janeiro, v.52, n.4, pp. 723-724
FEEMA. (1990) Projeto de Recuperação Gradual do Ecossistema da Baía de Guanabara. Rio de Janeiro: FEEMA,. 2v. 203p.
HIDROCONSULT. (1984) Baía de Guanabara: estudo da repercussão do Projeto-Rio. Relatório Interno,.
Ilha Universitária. (1952) Relatório do Serviço Público, vol.1, no 2. pp. 1-34.
LAVRADO, H., MAYR, L., CARVALHO, V., PARANHOS, (1991) R. Evolution (1980-1990) of Ammonia and Dissolved Oxygen. Coastal Zone’91. São Francisco - EUA
MAYR, L. M., TENENBAUM, D.R., VILLAC, M.C., PARANHOS, R., NOGUEIRA, C.R., BONECKER, S. & BONECKER, A. (1989) Hidrobiological Characterization of Guanabara Bay. In: Magoon, O. and Neves, C (eds). Coastlines of Brazil. New York: American Soc. of Civil Engineers, 1989. p. 124-138.
MORAES, A.C.R. E COSTA, W.M. DA. (1984) Sociedade e Espaço. In: A Valorização do Espaço. São Paulo: Hucitec,. Cap.6. pp.74-92.
OLIVEIRA, M.A.C. (1996) Utilização de Documentos Cartográficos na Avaliação de Processos de Sedimentação em Ambientes Estuarinos - Um caso de Estudo na baía de Guanabara (RJ.Brasil). Dissertação de Mestrado.
VILLAC, M.C. (1990) O Fitoplâncton como um Instrumento de Diagnose e Monitoramento Ambiental: Estudo de Caso da Baía de Guanabara (RJ, Brasil). Dissertação de Mestrado.