GEOPROCESSAMENTO APLICADO À CONSERVAÇÃO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO: O PROJETO MICO-LEÃO-DA-CARA-PRETA.
Maria Lucia Lorini 1,2
Vanessa Guerra Persson 1,2
Jorge Xavier da Silva 2
1
Projeto Mico-Leão-da-Cara-Preta2
Laboratório de Geoprocessamento - LAGEOPDepartamento de Geografia - Instituto de Geociências/IGEO/CCMN/UFRJ
Av. Brigadeiro Trompowsky, s/nº - Campus da Ilha do Fundão
Rio de Janeiro, RJ - CEP 21.941-590
Tel.: (021) 5981880
Resumo.Em vista das alarmantes proporções registradas na degradação de habitats e extinção de espécies, otimizar o planejamento e implantação de estratégias de conservação eficazes torna-se uma necessidade imediata, sobretudo em países tropicais. A proposta deste trabalho consiste em desenvolver uma metodologia de aplicação do geoprocessamento à conservação de espécies ameaçadas de extinção. Adota-se como estudo de caso um roteiro que se baseia no uso de um sistema geográfico de informação para elaborar o Plano de Recuperação e Manejo do Mico-Leão-da-Cara-Preta, espécie recentemente descoberta e já em perigo crítico de extinção, com possibilidade de representar o mais ameaçado de todos os primatas conhecidos.
Abstract.Improving the planning and implementation of conservation programmes is an urgent need, especially in tropical countries, where astonishing rates of deforestation and extinction of species occur. The purpose of this study is to demonstrate how geoprocessing techniques can be embedded in a methodology for conservation of threatened species. We used a geographic information sistem (GIS) in order to develop the Black-faced Lion Tamarin Recover and Management Plan as a study case. This recently discovered and critically endangered species is undoubtedly one of the most threatened primates of the world.
GEOPROCESSAMENTO E A CONSERVAÇÃO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS
Ao longo das últimas décadas, um sensível crescimento da preocupação acerca da conservação dos recursos naturais tem sido observado, com marcada ênfase sobre os países tropicais detentores de maior biodiversidade (MYERS,1988; VELAZQUEZ & BOCCO, 1994). Em função das rápidas mudanças impostas pelo homem ao ambiente, os estudos versando sobre este tema vem sendo considerados da mais alta prioridade (MITTERMEIER, 1988; RAMOS,1988). A despeito de todo este interesse, entretanto, o conhecimento acerca da biodiversidade tropical permanece deveras precário, ao passo que as taxas de degradação de habitats e extinção de espécies nos países em desenvolvimento atingem níveis impressionantes (MYERS, 1988; LUGO, 1988; KOOPOWITZ et al., 1994). No que se refere aos animais ameaçados de extinção, o sucesso de estratégias de conservação enfrenta uma série de dificuldades, destacando-se como das mais prementes a indisponibilidade de avaliações espacializadas e precisas da distribuição geográfica destas espécies e seus habitats, incluindo os efeitos das modificações antrópicas sobre o geosistema. Esta omissão da estrutura espacial na análise das características e processos relacionados à localização dos organismos na paisagem, bem como de seu estado de agrupamento e associação, pode ser bastante séria para a avaliação de vulnerabilidade de populações, onde a precisão quantitativa de computos territoriais assume indisputável importância (GILPIN, 1987). Ressalta-se ainda, que as probabilidades de extinção e recolonização dependem não apenas do tamanho das populações, mas também da geometria de sua distribuição territorial e da dinâmica do fluxo de seus elementos no arranjo espacial das manchas habitáveis (GILPIN, 1987). A relutância em tratar a territorialidade dos fenômenos resulta sobretudo das dificuldades de localização precisa dos dados e da complexidade de trabalhar com o espaço de maneira teórica. Sob o prisma tecnológico, a superação destas dificuldades tem sido auxiliada pelos benefícios provenientes de duas tecnologias em particular: o geoprocessamento e o sensoriamento remoto. Com o progresso das técnicas computacionais surgiram, para as investigações ambientais, novas possibilidades analíticas. Entre estas devem ser destacadas a varredura minuciosa de uma área geográfica contida em determinada base de dados em uso por um sistema geográfico de informação (SGI), uma estrutura de armazenamento, exibição e análise de dados ambientais. Os SGI permitem, também (e principalmente) conjugar numerosos dados, de diferentes naturezas escalas e resoluções, em um procedimento que pode ser denominado integração locacional, uma vez que opera com base no atributo axiomático de localização inerente a todo dado ambiental.
Os procedimentos de varredura e integração locacional (VAIL) podem ser contrastados com os de inspeção localizada e generalização (ILG), de uso tradicional. Enquanto a ILG depende diretamente das capacidades de percepção espacial e extrapolação do pesquisador, a VAIL depende fundamentalmente da existência de uma base geocodificada e do uso criterioso de algoritmos classificadores disponíveis. Na ILG, o pesquisador, verificando ocorrências (no terreno ou em registros indiretos, como fotos, mapas e telas de monitores), pode cansar-se e deixar, eventualmente, de inspecionar locais relevantes. Na VAIL, com o uso de recursos computacionais, essa possibilidade é inexistente. Apoiada na resolução (física e lógica, isto é, territorial e taxonômica) adotada na base de dados geocodificada, uma varredura completa da área geográfica pode ser executada. Lacunas na análise espacial desejada somente existirão em função da qualidade da base de dados e não como subproduto do procedimento adotado.
A criação de uma base de dados geocodificados é em princípio, uma ação direta. Para alguns pesquisadores a geração destas bases é entendida como um fim em si mesmo. Na realidade, uma base de dados geocodificados deve ser entendida como um modelo digital do ambiente e, como tal, ser utilizada para análises ambientais (XAVIER-DA-SILVA, 1982). Na ILG a criação de bases de dados (sempre existentes em qualquer pesquisa ambiental) é feita de maneira, em geral, pouco ordenada, sendo gerados conjuntos de mapeamentos, relatórios e tabulações convencionais. Na VAIL, ao contrário, é forçoso que os dados estejam organizados para o processamento automático, sejam eles cartográficos (base de mapas temáticos) ou não territorializados (banco de dados convencional). Neste caso, apesar de exigir um esforço de sistematização maior, os benefícios são imediatos. Atualizações com qualquer freqüência tornam-se possíveis. Análises dos dados armazenados para fins correlatos ou distintos da pesquisa original podem ser executadas. Os produtos gerados apresentam formato que facilitam entendimento entre os vários segmentos alvo (pesquisadores de distintas especialidades, técnicos, administradores etc), sem perda de qualidade da informação.
Faz-se imprescindível ressaltar neste cotejo entre as duas metodologias citadas, que o procedimento denominado VAIL não prescinde do trabalho de campo. Pelo contrário, permite que os recursos humanos e materiais disponíveis sejam usados de maneira eficiente, uma vez que o pesquisador vai a campo para inspecionar locais previamente indicados pela varredura feita ficando eliminadas inspeções a locais que patentemente não sejam significativos. As saídas a campo podem ser programadas, inclusive para verificar se levantamento previamente feito por geoprocessamento tem validade, através de visitas a locais de controle não classificados como relevantes pelo procedimento VAIL.
Parece conseqüente concluir que, em função de suas instigantes características, o geoprocessamento afigura-se como ferramenta de grande interesse para a biologia da conservação e gestão da biodiversidade, assumindo importante papel na conquista do desafio maior de congregar os resultados científicos e integrá-los aos processos decisórios de planejamento, implantação e monitoramento das políticas de desenvolvimento.
Desde este ponto de vista, a presente contribuição visa apresentar um esboço de metodologia que se baseia em técnicas de geoprocessamento e aplica-se ao desenvolvimento de estratégias de conservação para espécies animais ameaçadas de extinção.
O PROJETO MICO-LEÃO-DA-CARA-PRETA: UM ESTUDO DE CASO
Muito embora diversos exemplos possam ilustrar o quadro caótico que caracteriza a biodiversidade brasileira, cuja exuberante riqueza é igualada apenas pelo grau de desconhecimento e crescente degradação, poucos o fariam de forma tão contundente quanto o mico-leão-da-cara-preta. A história de sua descoberta parece confirmar as mais sombrias previsões acerca do extermínio de numerosas espécies de nossa fauna e flora, das quais sequer tivemos registro. Descrito apenas em 1990, da Ilha de Superagüi, litoral norte do Paraná, Leontopithecus caissara é um colorido primata de corpo laranja-dourado e extremidades negras, que apresenta hábitos diurnos e organização social em grupos. O caráter surpreendente da descoberta reside no fato de um primata tão conspícuo, habitando uma área de mata atlântica a menos de 300 km da cidade de São Paulo, permanecer desconhecido pela ciência até o final do século XX, quando já havia indícios de que a espécie enfrentava riscos de extinção (LORINI & PERSSON, 1990). Por esta razão, ainda em 1990 iniciou-se o Projeto Mico-Leão-da-Cara-Preta, um programa de pesquisa e conservação que visa desenvolver um plano de ação para assegurar a sobrevivência da espécie a longo termo. Alguns dos resultados preliminares das pesquisas indicaram que a situação de L. caissara parece ser bastante crítica, podendo o mesmo representar o mais ameaçado dentre as espécies de mico-leão e possivelmente dentre todos os primatas conhecidos (PERSSON & LORINI, 1993; LORINI & PERSSON, 1994). Em conseqüência, o mico-leão-da-cara-preta foi incluído na lista oficial de espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção (IBAMA, portaria nº 045/92-N) e também na "1994 IUCN (World Conservation Union) Red List of Threatened Animals", onde recebeu a categoria "Critically Endangered" (ver RYLANDS et al., 1995). No ano de 1992 (portaria nº 106/92-N) foi oficializada a criação do Comitê Internacional para a Recuperação e Manejo do Mico-Leão-da-Cara-Preta, formado por pesquisadores e técnicos de várias especialidades, nacionalidades e instituições, sendo constituído como órgão consultivo do IBAMA para elaborar o plano de conservação da espécie e deliberar sobre questões referentes a sua sobrevivência. Segundo os resultados do Leontopithecus Viability Analisis Workshop (SEAL,et al., 1990), o plano de ação deve ter como meta atingir uma população de 2000 indivíduos da espécie sobrevivendo na natureza até o ano 2025.
No contexto crítico e emergencial que envolve a situação da espécie torna-se imperativo dispor de um sistema de apoio à decisão suficientemente sólido, abrangente e preciso, mas também ágil e de fácil compreensão. Tendo em vista que os benefícios disponibilizados pelo geoprocessamento parecem atender à natureza de tais demandas e considerando o papel emblemático assumido por L. caissara no cenário da conservação da biodiversidade, elegeu-se o Projeto Mico-Leão-da-Cara-Preta como estudo de caso para a elaboração da proposta metodológica apresentada neste estudo.
PROPOSTA METODOLÓGICA
Na construção do arranjo metodológico sugerido (fig. 1 e 2) procurou-se utilizar o sistema geográfico de informações no sentido de estimar os habitats favoráveis para a espécie, o contingente de suas populações e os elementos de tensão intervenientes (ameaças). Prossegue-se simulando a dinâmica espacial das populações na situação corrente, bem como sob o efeito de diversos manejos
Fig. 1: fluxograma das principais etapas componentes da metodologia proposta.
conservacionistas e impactos ambientais previstos. Em tal arcabouço de informações congregam-se os componentes fundamentais necessários ao planejamento de programas de conservação para espécies animais ameaçadas de extinção. Este roteiro de procedimentos representa uma aplicação da metodologia concebida pela equipe do Laboratório de Geoprocessamento (LAGEOP), do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (XAVIER-DA-SILVA & CARVALHO FILHO, 1993), responsável também pelo desenvolvimento do SGI empregado neste trabalho, o Sistema de Análise Geo-Ambiental (SAGA/UFRJ).
1.Levantamentos ambientais
Considerada uma das mais críticas e dispendiosas do processo, esta etapa compreende todas as fases envolvidas na formação plena da base de dados. Incluem-se aqui os trabalhos de campo relativos ao inventário da ocorrência do mico-leão-da-cara-preta, ao censo populacional, às entrevistas com os habitantes locais e à obtenção de verdades terrestres para alvos identificados através de sensoriamento remoto. Concluídos e reunidos os mapeamentos temáticos e bases topográficas, realiza-se o pré-processamento para compatibilização e seleção de escalas, resoluções, sistemas de localização geográfica e modulação para entrada de dados. Capturados para o meio digital, o conjunto de dados sofre intensa vistoria e subseqüente depuração de incongruências topológicas e/ou taxonômicas. Dentro do SGI pode ser criado o banco de dados geográfico (BDG), composto pelos planos de informação cartografados. Eventuais atributos não territorializados a eles atreláveis, podem ser armazenados em um banco de dados convencional. Esta é uma estrutura onde os dados são georreferenciados, ou seja, possuem sua localização no espaço explicitada em relação a um sistema de coordenadas. Em tal concepção o SGI pode ser entendido como um arcabouço físico e lógico representativo da realidade ambiental, que comporta as variações intrínsecas das entidades territoriais e taxonômicas que o compõe, constituindo-se em um modelo digital do ambiente onde podem ser executadas mensurações, transformações dirigidas, classificações, acompanhamento de evolução de fenômenos e geração de elementos de gestão ou controle.
Neste ponto já podem ser obtidas áreas de proximidades (buffers), planimetrias, assinaturas ambientais e monitorias. Análoga à assinatura espectral de alvos, processo bastante empregado em sensoriamento remoto, a assinatura ambiental constitui um procedimento de análise e aquisição de conhecimento empírico que utiliza sobreposição de planos temáticos para extrair da base de dados as características que, causal ou aleatoriamente, são registradas em associação com o fenômeno de interesse. Já a monitoria ambiental representa um cotejo de mapeamentos de séries temporais sucessivas, que permite acompanhar o processo de evolução de fenômenos em estudo.
2. Prospecções ambientais -situação atual (Fig. 2)
Conjugadas aos levantamentos ambientais, as análises prospectivas da situação atual compõem o quadro dos procedimentos diagnósticos que possibilitam caracterizar, classificar e modelar o espaço em estudo. Estas prospecções, denominadas avaliações ambientais, promovem a construção de um hiperespaço taxonômico classificatório e multivariado, composto por eixos ordenadores que representam as variáveis (planos de informação). Existe na estrutura uma hierarquia de relacionamento entre os eixos ou variáveis e entre as categorias de cada eixo, ou seja, entre as classes de cada plano de informação. A técnica de avaliação consiste em estabelecer pesos relativos para as variáveis mapeadas e atribuir notas para as categorias componentes dos planos de informação. Para selecionar as variáveis e alocar os pesos e notas utiliza-se a diretiva de maior poder diagnóstico para o fenômeno estudado, que pode ser obtida empiricamente através dos processos de assinatura ambiental, ou ainda basear-se em pressupostos teóricos. Aplica-se um algoritmo do tipo média ponderada para classificar cada célula da matriz resultante, onde a possibilidade de ocorrência do fenômeno analisado
Fig.2:fluxograma detalhando os procedimentos envolvidos na etapa de prospecções ambientais
representa o somatório dos produtos do peso da variável multiplicado pela nota da categoria registrada na respectiva unidade da matriz. A classificação final integradora hierarquiza as unidades territoriais discretizadas para a área geográfica em estudo, erigindo uma estrutura de grupamentos ordenada segundo sua possibilidade de associação com o fenômeno sob análise, que culmina por gerar o modelo hipotético espacializado. Tais modelos podem representar avaliações simples, quando construídos a partir de planos de informação apenas (e.g. potencial climato-fisiográfico do habitat), ou podem constituir avaliações complexas, quando elaborados através da integração de modelos intermediários componentes (e.g. modelo de favorabilidade do habitat, modelo de vulnerabilidade de populações).
Modelo de favorabilidade do habitat
Formada uma base de dados integrativa de variáveis climato-fisiográficas (geologia, geomorfologia, hipsometria, pedologia, proximidades de flúvios, temperatura média anual, precipitação acumulada anual), bióticas (estrutura da vegetação, formas de vida vegetal, subsistemas de vegetação, unidades fitofisionômicas da paisagem atual e pré-colonização européia) e antropogênicas (grau de alteração da vegetação, proximidades de estradas e de núcleos urbanos), realiza-se a assinatura das locações de ocorrência do MLCP obtidas através do levantamento em campo. A partir dos resultados extraídos procede-se a hierarquização de pesos e notas para cada conjunto de variável, executando avaliações ambientais para a modelagem dos potenciais climato-fisiográfico, biótico e antropogênico dos habitats para L. caissara. Congregados através de uma avaliação complexa, estes três potenciais geram o modelo de favorabilidade do habitat para o MLCP. Classificando o "continuum" ambiental em zonas desde o ótimo habitável até o desfavorável e inóspito para a espécie, esta modelagem permite determinar a extensão de ocorrência do MLCP e quantificar o seu habitat disponível (área de ocupação, sensu IUCN, 1994), prelúdio necessário para as estimativas de contingente populacional. Em função de sua natureza territorial e geocodificada, tal modelo constitui uma representação valiosa do arranjamento espacial de manchas habitáveis, assumindo marcada importância para análises de fluxo e viabilidade de populações.
Risco demográfico
Em uma primeira etapa elabora-se o zoneamento demográfico, que consiste em um agrupamento ordenado de classes de densidade populacional de L. caissara, expressas em grupos/km² e indivíduos/km². Esta classificação segue os procedimentos de cálculo desenvolvidos para censos estratificados, auxiliados pela execução de planimetrias e assinaturas das unidades censitárias e de densidade do MLCP sobre o modelo de favorabilidade do habitat. Neste ponto já se encontram reunidos os requisitos para estimar os contingentes populacionais da espécie, para a metapopulação e para cada subpopulação.
No segundo passo são hierarquizados pesos e notas para os planos temáticos e categorias das variáveis demográficas, sob orientação empírica resultante de assinaturas das unidades censitárias e de densidade do MLCP, extraídas sobre este conjunto de temas (tamanho, grau de isolamento e zonas periféricas das subpopulações). Concluída a avaliação ambiental, obtêm-se um modelo territorial do risco demográfico para L. caissara.
Modelo de vulnerabilidade do habitat
Buscando construir um quadro de síntese do risco ambiental enfrentado na área de estudo, procurou-se analisar de modo integrado a potencialidade dos agentes de tensão (ameaças) e de manutenção (proteção) dos habitats. Identificou-se como elementos de tensão as atividades antrópicas econômico-culturais de atuação mais expressiva sobre os habitats regionais. Entendeu-se como agentes de manutenção as regulamentações vigentes na legislação ambiental. Neste contexto, ao elenco de variáveis climato-fisiográficas e sócio-econômico-culturais são atribuídos pesos aos temas e notas às classes de mapeamento, segundo diretivas proporcionadas por assinaturas relevantes (e.g. áreas de uso agropecuário), normatizações legais (e.g. código florestal) ou ainda pressupostos teóricos consagrados (e.g. determinantes de capacidade de uso do solo). Em seqüência são executadas avaliações para modelar o potencial de cada agente de tensão (potencial agrícola, pecuário, para silvicultura, extrativista, urbanístico e turístico) e de manutenção ambiental (carta de necessidade de proteção). Através de uma avaliação complexa conjuga-se todos os mapas de potenciais e a carta de necessidade de proteção para gerar o modelo de vulnerabilidade do habitat. Resultando do equacionamento entre a vocação produtiva (potenciais econômico-culturais) e a restrição mantenedora dos habitats, esta representação sumariza um potencial líquido da ameaça ao habitat para cada unidade territorial da área sob estudo. Traduz-se, portanto, em ferramenta de extrema utilidade para o zoneamento ambiental com vistas ao desenvolvimento regional sustentável.
Modelo de vulnerabilidade das populações
Encerrando a fase de procedimentos diagnósticos, desenvolve-se uma avaliação complexa integrando os modelos de favorabilidade e vulnerabilidade do habitat ao de risco demográfico, com o intuito de gerar o modelo de vulnerabilidade das populações de L. caissara. Nesta representação espacializada expressa-se o "status" de conservação da espécie na situação corrente, baseando análises de viabilidade de populações que avaliam as suas probabilidades de extinção.
3. CALIBRAÇÕES
Torna-se oportuno ressaltar que cada modelo pode ser calibrado com o auxílio das assinaturas e monitorias ambientais, testagens e validações em campo, permitindo assim que as classificações sejam refinadas e regeneradas.
4. DEFINIÇÕES DE METAS E PRIORIDADES
Conservar espécies em perigo crítico de extinção é uma tarefa de proporções hercúleas, pois nesta condição emergencial acentua-se a necessidade de um sistema de apoio à decisão suficientemente robusto, preciso e rápido para avaliar riscos e benefícios de estratégias potencialmente aplicáveis. Adequados a este contexto, os procedimentos prognósticos são aqui utilizados para criar cenários alternativos que simulem a situação resultante da introdução ou intensificação dos efeitos de agentes de tensão (atividades antrópicas impactantes) e de manutenção ou recuperação ambiental (estratégias de proteção e manejos conservacionistas).
Estes cenários prospectivos baseiam-se nos modelos construídos pelos procedimentos diagnósticos da situação atual e incorporam premissas específicas para gerar um modelo que representa a situação decorrente da adoção de tais premissas. A produção de cada cenário pode compreender os efeitos de um único agente de tensão, manutenção ou recuperação ambiental, bem como modelar diversos agentes em sinergia.
Outro produto de prognose ambiental de grande utilidade para os processos decisórios constitui o zoneamento ambiental, que é elaborado através da análise sintética de diferentes conjugações entre diversos modelos definidos na diagnose ambiental, levando em conta as instruções normativas da legislação ambiental.
5. PLANO DE RECUPERAÇÃO E MANEJO DO MLCP
De posse do sistema de apoio à decisão fornecido pelo conjunto de informações oriundos da diagnose e prognose ambiental, deve-se ainda reunir a este arcabouço analítico as restrições de cunho político e econômico. Na seqüência deste processo realiza-se a elaboração do plano de recuperação e manejo do MLCP, admitindo como meta preliminar atingir uma metapopulação de 2000 indivíduos sobrevivendo na natureza até o ano 2025, como recomendado no Leontopithecus Population Viability Analisis Workshop. Cabe notar que esta etapa de planejamento é realizada no âmbito do Comitê Internacional para a Recuperação e Manejo do MLCP, órgão consultivo do IBAMA oficialmente encarregado desta missão.
6. MONITORAMENTO E GESTÃO
A efetividade do plano de conservação como instrumento de gestão ambiental será mais facilmente atingida através do acompanhamento das transformações ocorridas, realizado por um contínuo processo de executar monitorias, atualizações da base de dados, calibrações e regeneração dos modelos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A biologia da conservação é essencialmente uma disciplina de crise, pois nem o tempo nem a abundância de recursos econômicos trabalham a seu favor (SOULÉ, 1985; MAGUIRRE et al., 1987). Via de regra as pesquisas neste campo envolvem uma base de dados complexa, de natureza variada, crescente e dinâmica, onde a agilidade de análise não pode comprometer a solidez e precisão dos resultados. Considerando tal suíte de características acredita-se que o geoprocessamento venha a representar um grande auxílio para a gestão da biodiversidade. De fato, com base na aplicação aqui proposta para a conservação de espécies ameaçadas de extinção, sugere-se que os sistemas geográficos de informação possam desempenhar importante papel neste campo disciplinar, sobretudo nas funções de:
- Incorporar a dimensão espacial dos fenômenos em estudo de forma consistente e definitiva
- Trabalhar a natureza complexa e multidisciplinar das variáveis facilitando as análises integradoras
- Otimizar o tempo e a forma de obtenção de informações analíticas e/ou sintéticas tornando mais robusto o apoio às decisões
- Gerar informações simulta-neamente precisas e de fácil compreensão melhorando a cooperação institucional e privada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GILPIN, M. E. Spatial structure and population vulnerability. In: Soulé, M. E. (ed). Viable Population for Conservation. Cambridge, Cambridge University Press, 1987. p.125-139.
IUCN, Species Survival Commission. IUCN Red List Categories.Gland, The Word Conservation Union (IUCN). 1994. 21p.
KOOPOVITZ, H., THORNHILL, A. D. & ANDERSEN, M. A General Stochastic Model for the Prediction of Biodiversity Losses Based on Habitat Conversion. Conservation Biology 8(2): 425-438, 1994.
Lorini, M. L. & Persson, V. G. Nova espécie de Leontopithecus LESSON 1840, do sul do Brasil (Primates, Callithrichidae). Boletim do Museu Nacional, nova série 338:1-14. 1990.
Lorini, M. L. & Persson, V. G. Status of field research on Leontopithecus caissara: The Black-faced Lion Tamarin Project. Netropical Primates 2 (suppl.): 52-55, 1994.
LUGO, A. E. Estimating Reductions in the Diversity of Tropical Forest Species. In: Wilson, E. O. (ed). Biodiversity. Washington, D.C., National Academy Press, 1988.p.58-70.
MAGUIRRE, L. A., SEAL, U. S. & BRUSSARD, P. F. Managing critically species: the Sumatran rhino as a case study. In: Soulé, M. E. (ed). Viable Population for Conservation. Cambridge, Cambridge University Press, 1987. p.141-158.
MITTERMEIER, R. A. Primate Diversity and the Tropical Forest: Case Studies from Brazil and Madagascar and Importance of the Megadiversity Countries. In: Wilson, E. O. (ed). Biodiversity. Washington, D.C., National Academy Press, 1988.p.145-154.
MYERS, N. Tropical Forests and Their Species: Going, Going...?.In: Wilson, E. O. (ed). Biodiversity. Washington, D.C., National Academy Press, 1988.p. 28-35.
Persson V. G. & Lorini, M. L. Notas sobre o mico-leão-de-cara-preta, Leontopithecus caissara Lorini & Persson 1990, no sul do Brasil (Primates, Callithrichidae). In: Yamamoto, M. E e Sousa M. B. C. de (eds). A primatologia na Brasil - 4. Natal, Sociedade Brasileira de Primatologia, 1993. p 169-181.
RAMOS, M. A. The conservation of biodiversity in Latin America, a perspective. In: Wilson, E. O. (ed). Biodiversity. Washington, D.C., National Academy Press, 1988.p.428-436.
RYLANDS, A. B. , MITTERMEIER, R. A. & RODRÍGUEZ-LUNA, E. A Species for the New Wold Primates (Platyrryni): Distribution by Coutry, Endemism, and Conservation Status According to the Mace-Land System. Neotropical Primates 3 (suppl.): 103-164.
SEAL, U. S., BALLOU, J. D. & PADUA, C. V. (eds). Leontopithecus Population Viability Analisis Workshop Report. Belo Horizonte, Captive Breeding Specialist Group (IUCN/SSC/CBSG), Species Survival Commision/IUCN. 1990.
SOULÉ, M. E. What is conservation biology? Bioscience 35:727-734, 1985.
VELAZQUEZ, A. & BOCCO, G. Modelling conservation alternatives with ILWIS: a case study of the volcano rabbit. ITC Journal 1994-3. p. 197-204.
Xavier-da-Silva, J. A Digital Model of the Environment: an Effective Approach to Areal Analysis. In: Latin American Conference. Rio de Janeiro, International Geographic Union, vol. 1. 1982. p.17-22.
Xavier-da-Silva, J.& Carvalho Filho, L. M. de. Sistemas de informação geográfica: uma proposta metodológica. In: Anais da IV Conferência Latino Americana sobre Sistemas de Informação Geográfica / 2 Simpósio Brasileiro de Geoprocessamento. São Paulo. 1993. p. 609 - 628.