ADAPTANDO O MODELO DE OBJETOS OMT PARA MODELAGEM CONCEITUAL DE APLICAÇÕES EM SIG

JUGURTA LISBOA FILHO1

CIRANO IOCHPE2

1 Professor Assistente - UFV e Doutorando - II/UFRGS

2Professor Adjunto - II/UFRGS

UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Resumo. Este trabalho apresenta uma adaptação do modelo de objetos OMT para utilização no projeto das aplicações em SIG, sendo sua aplicabilidade demonstrada através de um exemplo de SIG na área ambiental.

Abstract. This paper presents an adaptation of the OMT object model for GIS application design, and shows its usage through an example of environmental GIS.

 

1 Introdução

Um Sistema de Informações Geográficas (SIG) é um sistema baseado em computador, que possibilita a captura, modelagem, manipulação, recuperação, análise e apresentação de dados referenciados geograficamente [WOR 95].

Uma das maiores dificuldades enfrentadas, atualmente, pelos usuários de SIG está na definição da base de dados geográfica, ou seja, na definição de quais entidades serão armazenadas no banco de dados geográfico. Neste artigo, chamamos de banco de dados geográfico (BDGEO) o componente do SIG capaz de armazenar ou gerenciar os dados espaciais e descritivos que serão manipulados pelas aplicações geográficas.

Segundo [ELM89], o projeto de banco de dados envolve três fases distintas: projeto conceitual, projeto lógico e projeto físico. Na fase do projeto conceitual, de que trata este artigo, o enfoque principal está na identificação de quais as entidades que serão representadas no BDGEO e como elas se relacionam, desconsiderando-se aspectos sobre a forma de armazenamento destas entidades no BDGEO e, até mesmo, qual o SIG que será utilizado.

Diversos trabalhos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de se encontrar um modelo de dados conceitual que seja, ao mesmo tempo, rico o bastante para representar a complexa realidade das aplicações geográficas e o mais simples possível, para que possa ser entendido e utilizado pelos usuários de SIG [WOR 94], [CLE 94], [CAR 93], [BON 93], [TRY 95], [KÖS 95], [TIM 94]. Uma forte tendência tem sido verificada no sentido de se utilizar os conceitos do paradigma de orientação a objetos para o projeto de aplicações em SIG [WOR 94].

Este artigo apresenta os resultados da modelagem conceitual de dados de parte do sistema SIGERCO/RS, Sistema de Gerenciamento Costeiro, da Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Estado do Rio Grande do Sul (FEPAM/RS). Tal modelagem, baseada em uma biblioteca de classes de objetos OMT [RUM 91], foi desenvolvida no âmbito do Projeto Integrado de Pesquisa SIGMODA, financiado pelo CNPq.

O artigo está organizado da seguinte maneira. Na seção 2, são relacionados os requisitos especiais apresentados pelas aplicações em SIG. A seção 3 descreve as adaptações propostas ao modelo de objetos OMT, para a modelagem de aplicações geográficas. Na seção 4 são apresentados os resultados da modelagem de uma aplicação exemplo. Por último, são tiradas algumas conclusões sobre o trabalho e apresentadas perspectivas de trabalho futuro.

2 requisitos das Aplicações de SIG

As aplicações de SIG apresentam requisitos de modelagem específicos, que não são tratados adequadamente pelos modelos de dados empregados atualmente no desenvolvimento de aplicações de banco de dados convencionais [WOR 94]. Em [LIS 96a], relacionamos alguns destes requisitos. São eles:

Destes requisitos, o primeiro é o mais importante para a modelagem conceitual.

Para [GOO 92], a realidade geográfica pode ser observada segundo duas visões: de campo e de objetos. Na visão de campo, a realidade é modelada por variáveis que possuem distribuição contínua no espaço (ex.: relevo e temperatura). Todas as posições no espaço geográfico estão associadas a algum valor correspondente à variável representada. Na visão de objetos, entidades reais são observadas como estando distribuídas sobre um grande espaço vazio, ou seja, nem todas as posições estão necessariamente ocupadas.

[GOO 92] identifica seis tipos diferentes de modelos de representação, baseados na visão de campo, que são utilizados nos SIGs (Figura 1). São eles:

Esses modelos, muitas vezes são confundidos, equivocadamente, com as estruturas de armazenamento (matricial e vetorial) de dados espaciais. Cada um desses modelos pode ser mapeado em uma ou outra estrutura, sendo que alguns se adeqüam melhor à estrutura matricial e outros à estrutura vetorial. Por exemplo, os modelos Amostragem Regular de Pontos e Grade Regular de Células, são mapeados naturalmente para a estrutura matricial, enquanto que os demais modelos são melhor organizados numa estrutura vetorial.

Na visão de objetos, as entidades da realidade são representadas como pontos, linhas ou áreas. Ao contrário da visão de campo, na visão de objetos dois objetos podem estar localizados na mesma posição geográfica, ou seja, podem possuir coordenadas idênticas.

Do ponto de vista dos usuários, esta divisão entre as visões de campo e objetos pode direcionar o projeto da base de dados geográfica. Na seção seguinte, apresentamos uma hierarquia de classes que serve de ponto de partida para o projeto de aplicações baseadas em SIG, permitindo a modelagem integrada dos dados nas visões de campo e objetos.

 

Fig.1: Modelos de dados na visão de campo [LIS 96]

 

3 Modelos de Dados Conceituais

Modelos de dados são visões simplificadas de uma parte da realidade e são construídos de acordo com certas regras, para facilitar a implementação do banco de dados em um sistema de informações. Através de um formalismo gráfico, é possível abstrair os aspectos da realidade que se deseja modelar, e, devido à simplicidade dos construtores gráficos utilizados, torna-se simples a validação do modelo por parte dos usuários envolvidos no projeto.

A representação gráfica escolhida para ser utilizada em nosso projeto de SIG, foi a do modelo de objetos da metodologia OMT (Técnica de Modelagem de Objetos [RUM 91]), onde foram incluídos novos construtores para facilitar a modelagem das características espaciais da aplicação.

3.1 Modelo de objetos OMT

Ao contrário dos modelos funcionais, onde a ênfase está nos procedimentos e funções executadas no sistema (ex.: modelo DFD [GAN 79]) e dos modelos estáticos, onde a ênfase está nos dados armazenados (ex.: modelo ER [CHE 76]), os modelos orientados a objetos utilizam uma filosofia que integra dados e funções em unidades denominadas objetos [GOL 82].

O modelo OMT é baseado em conceitos do paradigma da orientação a objetos, tais como, hierarquia de classes, herança de propriedades, atributos, métodos, entre outros, e permite a representação de conceitos de abstração semântica, tais como, classificação, generalização, agregação e associação.

3.2 Adicionando Semântica ao Modelo OMT

Nesta seção, primeiro é apresentada uma hierarquia de classes predefinidas, utilizada no projeto conceitual de aplicações geográficas. Depois é descrito uma estratégia de simplificação de esquemas por substituição simbólica.

 

3.2.1 Biblioteca de classes básicas

Muito antes da utilização dos SIGs, já era comum, na comunidade de Geoprocessamento, visualizar a realidade na forma de mapas sobrepostos, criando um conjunto de camadas, cada uma contendo as informações sobre um determinado tema (ex.: hidrografia, relevo, uso da terra, dados sócio-econômicos, etc). É natural, portanto, que um projeto de banco de dados para SIG inicie pela identificação dos temas a serem modelados.

Um BDGEO pode ser visto como sendo um repositório de dados sobre um conjunto de áreas geográficas. Cada área geográfica possui dados organizados em diversos temas, que podem ser modelados segundo as visões de campo e objetos. A Figura 2 mostra a hierarquia de classes básicas, seguindo o simbolismo do modelo OMT, que serve de ponto de partida para a modelagem conceitual de aplicações em SIG. Esta biblioteca permite a integração natural dos dados nas visões de campo e de objetos.

 

 

Fig.2: Hierarquia de classes básicas

 

A biblioteca de classes apresentada aqui, foi baseada na biblioteca de classes descrita no modelo MGeo [TIM 94]. No modelo MGeo, a ênfase está na definição do conjunto de classes que descrevem os diversos tipos de objetos geométricos, que são empregados nas implementações de SIG.

De acordo com as características das variáveis presentes em cada tema, elas podem ser modeladas segundo uma ou outra visão. Por exemplo, temas como relevo, tipo de solo e temperatura possuem distribuição contínua no espaço e são modelados sob a visão de campo, enquanto que hidrografia e dados sócio-econômicos são temas que possuem entidades reais bem definidas e são modelados na visão de objetos.

3.2.2 Simplificando esquemas por substituição simbólica

Na visão de objetos, todas as classes de entidades geográficas, ou seja, aquelas que possuem atributos do tipo objeto espacial, estão associadas a, pelo menos, uma subclasse da classe Objeto_Espacial, isto é, Ponto, Linha ou Região. Isto causa a adição de um grande número de relacionamentos no diagrama final, tornando-o de difícil legibilidade. A inclusão de símbolos geométricos nas classes de entidades geográficas em substituição a esses relacionamentos, simplifica significativamente o diagrama final (Figura 3).

Esquemas semelhantes de simplificação de esquema por substituição simbólica, também foram empregados nos modelos MODUL-R [BÉD 89], [CAR 93] e no modelo GeoOOA [KÖS 95]. Estas substituições não se limitam às associações com objetos do tipo Ponto, Linha e Região. Substituições podem ser adaptadas a outros tipos de objetos espaciais, como por exemplo, nodos e ligações, na modelagem de objetos em aplicações de redes.

 

 

Fig.3: Substituição simbólica de esquemas

 

4 Modelagem de Dados do SIGERCO

O Projeto de Gerenciamento Costeiro (GERCO), da FEPAM-RS, tem como metas básicas, o planejamento e o gerenciamento, de forma integrada, descentralizada e participativa, das atividades sócio-econômicas na zona costeira do país, de forma a garantir a utilização, conservação e preservação dos recursos naturais e ecossistemas costeiros [IOC 94].

Esta seção apresenta, como exemplo de aplicação do modelo OMT adaptado para SIG, a modelagem conceitual de dados do SIGERCO/RS Sistema de Informações do Gerenciamento Costeiro.

O objetivo do SIGECO/RS é o de fornecer subsídios para a tomada de decisões nas diversas atividades do Projeto GERCO.

Uma das atividades do projeto GERCO, a do Macrozoneamento Costeiro, constitui-se na elaboração do Mapa de Uso Projetado, que é composto pelas cartas-síntese, representando as potencialidades e as restrições de uso em cada região costeira.

As subseções seguintes mostram os resultados da modelagem conceitual dos dados do SIGERCO/RS, relacionados com as etapas de Macrozoneamento Costeiro, Licenciamento e Monitoramento.

Por questões de simplificação do diagrama final da modelagem, as classes da aplicação foram separadas de acordo com a visão (de campo e de objeto) em que se enquadram.

5.1 Classes na Visão de Campo

As classes pertencentes ao domínio da aplicação, que se enquadram na visão de campo, foram definidas como especializações das subclasses de Tema na Visão de Campo, na hierarquia de classes básicas (Figura 4). Estas classes estão relacionadas, principalmente, com a execução da fase do Macrozoneamento Costeiro, no âmbito do Projeto GERCO e servirão de base às operações espaciais que serão realizadas para se obter o Mapa de Uso Projetado.

 

Fig.4: Modelagem de dados na visão de campo

 

5.2 Classes na Visão de Objetos

As informações sobre os temas Sócio-Economia e Uso da Água, possibilitaram a identificação de diversas classes (com e sem representação espacial) que foram modeladas na visão de objetos, conforme mostra a Figura 5.

Todas as classes de entidades geográficas possuem um símbolo geométrico que indica o tipo de objeto espacial ao qual está associado. Esta associação é dependente da escala em uso e pode, inclusive, existir mais de um objeto espacial associado a uma mesma classe de objeto geográfico. Por exemplo, objetos da classe Trecho de Rio podem ser representados por uma linha ou uma região.

Na visão de objetos, os atributos espaciais e descritivos são descritos de forma integrada na definição das classes. Além disso, como pode ser observado no diagrama, os relacionamentos entre classes com e sem características espaciais, são modelados de forma integrada. Por exemplo, as classes Ponto de Amostragem, que é uma classe que possui representação espacial na forma de um ponto, e Monitoramento dos Recursos Hídricos, que não possui representação espacial, são representadas de forma integrada no modelo, através da associação (relacionamento) realiza. Isto permite que o projeto conceitual do banco de dados seja realizado sem que se leve em conta se os atributos das entidades modeladas são apenas descritivos ou se possuem representação espacial.

É importante observar que, somente nas fases subsequentes, é que serão considerados os aspectos do tipo: escolha da estrutura de armazenamento dos dados (matricial ou vetorial), ou quais camadas lógicas (layers) serão criadas. Por exemplo, um tema como hidrografia, pode dar origem a mais de uma camada lógica (layer), uma contendo linhas representando os rios e outra contendo polígonos representando os lagos. O projeto lógico de um SIG depende do software que será utilizado.

 

Fig.5: Modelagem de dados na visão de objetos

 

5 Considerações Finais

Demonstrou-se a validade prática do modelo OMT, com algumas adaptações, na modelagem conceitual de um problema real de aplicação geográfica em SIG. Como trabalhos futuros, pretende-se analisar as técnicas de mapeamento do modelo lógico para um modelo de implementação em SIG.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à equipe do Projeto GERCO da FEPAM-RS, pela oportunidade de participação no processo de modelagem de uma aplicação real.

6 Bibliografia

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